23 de abril de 2018

Não-sei

Vivo um grande estado de não-sei que parece não caber em mim. Ainda assim é familiar.

Há o peso como se o corpo pertencesse a um lugar onde não está... Pura gravidade retida na pele que me faz cair. Há transparentes gotas que brotam da terra fértil do meu olhar. E cegam. Há impulsos pulsivos pulsantes. Também um estar só, que racionalmente se sabe diferente, mas no atravessamento da vida não se encontra.

Sei que é preciso cuidar do não-sei. E sei que numa quarta-feira, numa caminhada pra casa... Ganhei um sonho pela primeira vez. Sorrio.

22 de abril de 2018

O amor se inventa no gerúndio do verbo

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Carlos Drummond de Andrade, Amar, 
em: Antologia Poética, 1989

Que pode alguém senão amar? É Drummond quem pergunta. Achei-o sem quererquerendo. Bem na hora. No instante em que tinha você comigo. Escolhi-o porque o título diz muito de nós. Poderia ter parado nele. Já se vê que há um  poema interminável no verbo. Amar. Amar você, não uso muito as palavras, eu sei. Desperto em verbo, ação, ato, você sente? Não tenho dúvida do que faço, pergunto porque recentemente você vem treinando cobrar. 

Um galego na porta de casa com recibo na mão perguntando se a dona [da casa] está. Ela sempre está. Pode não ser como o galego espera, mas está. A dona tem algo que o galego quer receber pagamento em troca. O galego vai, cobra, finge entender, depois volta. Até que ele cansa. Ir e voltar é não sair do lugar, deve cansar mesmo. Então, começam as ameaças de retirar o produto. A dona da casa... devolve. O galego vai e vende para outra esperando receber o que ele imagina que deve receber quando ele quer receber. E o galego... vai de casa em casa com o produto. Que é dele.

Você não é o galego. Também não sou dona. Não imaginemos produto. Você é você de olhos vidrados. Que me ama. Eu sinto você me amando. Não há dúvidas: amar diz de nós. Não se trata de dar e receber algo. Ou dar e dar. Ou receber e receber. Se trata de inventar. Somos inventores de amor. Como? Amando. Assim, no gerúndio, em instantes de acontecimento inventamos. Temos ciência e nos escapa entre os dedos o próximo encontro, pois não há previsão para o que é vivo. Olhando para trás podemos ver que criamos nossa história. Olhando agora: amamos amando. Com toda a infinitude que permite o verbo.

21 de abril de 2018

Presente

Refogar cebola é construir sábados, acrescentar colorau é dedicar cor de família. Está feito o melhor almoço. Ando sem celular. O coitado até resistiu muito tempo as minhas tentativas de mantê-lo funcionando e agora parou de vez. Ainda nutro a esperança de voltar como aconteceu outras vezes, no entanto ainda não houve nenhum sinal de luz. Não tenho pressa, não sou dessas de extremo apego a um aparelho e tenho um discurso de valorização do contato humano que vivo espalhando quando posso. 

Engraçado é que a falta do celular no momento tem gerado comoção nas pessoas. Já ouvi lamentos de como vou perder muita coisa nesse tempo. De fato, não vai haver um som costumeiro apitando o dia todo e minha leitura cotidiana vai reduzir em certa porcentagem, pois não vou poder receber mensagens nos aplicativos. Já ouvi considerações de como agora os outros têm se sentido antiquados tendo que conversar comigo por e-mail quando não, pessoalmente, até sobre o simples. De fato, não tem sido habitual esperar mais que alguns segundos para que se possa criar contatos. No entanto, devo dizer que tenho curtido muito esse tempo. O tempo. Tenho saboreado os momentos de outro jeito. Sim, descobri ser palatável. Cebola refogada passeando pela casa. Tenho ganhado. E presente!

Por começo, abro a janela sempre que acordo porque gosto da luz do dia banhando a casa. Digo que abro e faço é escancarar mesmo, pro aconchego não é preciso cerimônia.

20 de abril de 2018

Da chegada para a partida

Só deu vontade de escrever. Vou escrevendo. Sendo. Sem muitos adereços.

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A vida é elástica. Eu digo como quem a toca com intensidade.

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Eu sinto muito. Parece uma frase dita em momento de tristeza. Não é. Não tem essa exclusividade. "Eu sinto muito" envolve diretamente um sujeito. Eu. Que se desperta em verbo complexo. Sinto. Com profundidade. Muito. Acredito cada vez mais que a questão não é controlar essa medida. Já que existe, deixar existir. A questão é deixar com elegância de quem vive. O que agora é acredito já foi penso, troquei porque penso pareceu maldito.

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Brinco com as palavras. Não tenho medo de dizer que brinco. Pra mim faz parentesco com dançar. E/ou olhar. E/ou pintar. E/ou cantar. E/ou tocar. E/ou inventar. E/ou. Esses poderes que os humanos insistem em não reconhecer como sua mágica. Ah! Não posso esquecer de dizer: dou lugar pra pontos a medida que sinto eles caberem. Vê. Não visito a gramática. Peço licença a Língua Portuguesa. Não me justifico, me noto. Anoto.

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Olho pra foto aqui. É antiga com nome sobreposto e abreviado até o ponto de não descaracterizar. Deixo assim, pois guarda o mistério que sou. Leio a descrição abaixo: "adora gostar das coisas e compartilhar as coisas de que gosta... principalmente livros, arte e momentos" e já não gosto do tempo dos verbos. Mostram uma distância de eu mesma que já não julgo ter tanto. Posso mudar: "adoro...". Entretanto, não é só o tempo que estranho. Também a ordem dos dizeres. Se bem que nem toda tradução corresponde ao dito literal. Quem é viajado ou assiste série estrangeira, sabe.

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Digitar não é escrever. De todo modo envolve tocar com a ponta dos dedos o objeto para as palavras. Usa-se as mãos e tudo. Tudo. Então, pra mim dá no mesmo: escrevo. Não quero me exibir, por isso deixo a foto-passada-para-o-mistério. Posso ficar com o caderno, ao invés de. Só que apagar é mais fácil que rasgar folhas. Sim, quando faço, de tempos em tempos faço.